“Crise Climática e o Green New Deal Global”, que a Editora Roça Nova acaba de lançar, é um livro fácil de ler, no formato de perguntas e respostas, e cheio de informações relevantes. O cientista político C. J. Polychroniou foi feliz ao reunir, para uma conversa virtual, como exige essa nossa era pandêmica, o principal intelectual público do mundo Noam Chomsky, ativista político e ambiental e Robert Pollin, economista progressista que tem atuado como líder em defesa de uma economia verde e igualitária, para compartilhar suas reflexões sobre essa era e os desafios que temos que enfrentar. As reflexões dos dois, imprescindíveis na agenda do mundo pós-pandemia, são o sumo do livro.

Chomsky costura o pensamento social, alinhava a forma como os líderes e as grandes empresas enfrentam o desafio de tentar baixar a zero as emissões de carbono até 2050 (proposta assinada pelos líderes no Acordo de Paris). Expõe a falta de responsabilidade com o que chama de “catástrofe ambiental” e localiza o fim da II Guerra como o ponto de inflexão para “uma segunda ameaça à nossa sobrevivência”.

Robert Pollin se encarrega de traçar o cenário com informações mais técnicas, em detalhes. O economista se permite um traço de incerteza com relação ao conjunto de consequências que enfrentaremos caso a média de temperatura global suba mais que 1,5º C  até o fim do século, o que não quer dizer rechaçar os efeitos das mudanças climáticas ou negá-los. É que, segundo ele, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) “tem um histórico de mudar regularmente suas avaliações”.

“Está bem claro que existe um nível de incerteza com relação ao conjunto de consequências que enfrentaremos caso permitamos que a média de temperatura global suba mais que 1,5oC ou mesmo 2 graus em relação aos níveis pré-industriais (…) Em resumo, temos informações mais que suficientes  para tomar atitudes decisivas agora mesmo, sem deixar de reconhecer o grau de incerteza à nossa frente (…) Não é o equivalente a decidir se compraremos um seguro para o carro, mas a determinar quanto gastaremos e qual será nossa cobertura”, escreve Pollin.

Enquanto escreviam o livro, aconteceu a pandemia de Covid-19 e os dois autores foram obrigados ao isolamento social.  Refletiram assim, para nosso proveito, sobre as intersecções entre a crise climática e o alastramento do Corona vírus. A destruição dos habitats naturais como consequência do desmatamento e dos avanços das atividades humanas, as ondas de calor, secas e enchentes facilitam o contato próximo das espécies selvagens com os humanos… “e permitem que os micróbios que vivem em seus corpos migrem para os nossos, transformando micróbios animais benignos em mortíferos patógenos humanos”.

Como consequência, estamos obrigados a rever nossos hábitos para compor com a necessidade de progresso e não sermos lesados. A tarefa é árdua, e nem todos conseguem percebê-la com a urgência que se faz necessária. Apenas 25% dos republicanos, lembra Chomsky, ou 36% dos millenials mais bem informados, reconhecem que os humanos são responsáveis pelo aquecimento global. O filósofo se inquieta com esses dados e faz a pergunta que ronda há tempos as reflexões dos ambientalistas: afinal, por que a população vira o rosto e não reconhece a crise climática, se o que o que está em jogo é a sobrevivência da vida humana?

“O aquecimento global parece algo abstrato. Quem entende a gravidade da diferença entre 1,5º e 2º C, em comparação à diferença de colocar ou não comida na mesa de seus filhos no dia de amanhã?“.

Chomsky traz a resposta.  A precarização do trabalho, a supressão dos sindicatos, em parte porque os líderes optaram pelo “corporativismo”, teve papel relevante no distanciamento dos trabalhadores da causa ambiental. Os anos de “globalização neoliberal’ serviram para sepultar a preocupação e o respeito com o meio ambiente. A meta a ser perseguida é usar “a militância trabalhista como força motriz dos movimentos ambientalistas”, afirma Chomsky. Para ele, não é um sonho ingênuo.

Já para Roberto Pollin, o Green New Deal, plataforma escrita por parlamentares norte-americanos com propostas econômicas para ajudar a combater a crise climática e social é um projeto realista e sustentável para baixar as emissões, conter o aquecimento global, gerar emprego e renda. Mesmo com alguns desafios técnicos a serem superados.

“Envolve questões como a extensão de terra necessária para a infraestrutura de painéis solares e turbinas eólicas a fim de satisfazer a demanda energética e outros problemas correlatos, como a intermitência, transmissão e armazenamento de energia”, escreve Pollin.

De qualquer maneira, garante o economista, esse será um desafio que só deverá ser enfrentado daqui a muitos anos, provavelmente não na próxima década. É que vai ser difícil reduzir o consumo de combustíveis fósseis e energia nuclear, que hoje respondem por 85% do fornecimento total de energia.

Como numa boa conversa entre amigos, o livro vai levando o leitor a refletir junto, sem temer opiniões contrárias ou diferentes. Pelo contrário, é daí que se vai extrair matéria prima para enfrentar o desafio da nossa era.

Amelia Gonzalez

Amelia Gonzalez é jornalista especializada em sustentabilidade. Ajudou a criar e editou durante nove anos o caderno Razão Social, suplemento do jornal O Globo, sobre sustentabilidade, que foi extinto em julho de 2012. Assinou a coluna Razão Social do caderno Amanhá, de O Globo. Autora do livro `Porque sim`, sobre casos de sucesso da ONG Junior Achievement. Ganhou o premio Orilaxé, da ONG Afro Reggae. Esteve entre as finalistas como blogueira de sustentabilidade no premio Greenbest com o blog Razão Social, que foi parte do site do jornal O Globo de 2007 a 2012. Foi colunista do site G1 de 2013 a 2020, assinando o blog Nova Ética Social. Estuda os filósofos da diferença, como Fredrick Nietzsche, Gilles Deleuze, Spinoza, Henri Bergson em grupos de estudo no Instituto Anthropos de Psicomotricidade. Crê na multiplicidade, na imanência, na potência do corpo humano e busca, sempre, a saúde. Tem um filho e dois cachorros.

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