A Wikipédia explica: “Clivagem, em mineralogia, é a forma como muitos minerais se quebram segundo planos relacionados com a estrutura atômica interna, paralelos às possíveis faces do cristal que formariam”. Atingido em seu ponto vulnerável, o cristal mais puro se rompe. 

Irene Lauson, protagonista deste livro, cientista, física, sabe que um amor que parece ter a solidez do cristal tem sua zona de clivagem. Ao completar trinta anos, em uma relação amorosa de treze anos com o ex-professor de literatura na faculdade, não tem dúvida de que escorrega por um “pavoroso plano de clivagem”. Já não é a menina precoce que encantou o sedutor Alfredo. Sabe que para ele a mulher de trinta anos é um exemplar balzaquiano, definitivamente adulto… e as adolescentes o fascinam. 

A cientista Irene sabe sistematizar seus pensamentos. Chegou o momento de pesquisar o que há nos interstícios. Um ciclo de sua vida se encerra. Quem é essa mulher que deixa a jovem precoce para trás? Nos altos e baixos de seu relacionamento com Alfredo, completou um trajeto: o da emancipação. Aprendeu a ver com clareza sua condição de mulher, a estar tranquila na solidão, a reconhecer o lugar onde vive como seu recanto querido, onde se sente bem, onde escreve, onde as coisas estão nos lugares que escolheu e os olhos encontram a paisagem doméstica que a acolhe. Estar só não é estar carente e incompleta, e a maternidade não é um destino natural, mas uma escolha. Sabe que o corpo de uma mulher tem importância fundadora para ela. E aprendeu que só aceitando estar só uma mulher pode ser mulher e escrever, ser mulher e pensar, ser mulher e falar.

Pouco conhecida no Brasil, a literatura de Liliana Heker se move, segundo a escritora, nas zonas limítrofes entre o normal e o anormal, a sanidade e a demência, o equilíbrio e a insensatez. Sem dúvida foi essa a experiência de vida de Heker durante a ditadura militar argentina (1966-73) que desmontou a universidade e deixou 30 mil desaparecidos. “Há pessoas que se vão e pessoas que ficam”, diz ela; no grande êxodo de intelectuais e cientistas em fuga da violência, Heker ficou. A escrita de Zona de clivagem, porém, iniciada em 1964, se interrompeu por vários anos e só foi concluída em 1987.  Afinal, “a literatura não é um ofício para apressados”, conclui a escritora.

Heloisa Jahn

Heloisa Jahn

Heloisa Jahn é tradutora literária e tem cerca de cem títulos traduzidos para todas as idades – sobretudo do espanhol, do francês e do inglês. Hoje trabalha como editora e tradutora independente. Aqui na Roça Nova, é a tradutora de Ida Vitale (Não sonhar flores) na edição brasileira.

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