Recentemente, aprendi uma palavra nova através da leitura de um livro de Peter Burke recém lançado no Brasil: polímata. Até então não conhecia essa palavra. Polímata é aquela pessoa cujo conhecimento não está restrito a uma única área de conhecimento ou assunto, Peter Burke diz que os polímatas moveram as fronteiras do conhecimento de inúmeras maneiras.
E porque começo este texto com essa palavra? Mário de Andrade, eu não sabia, foi um polímata. Ele não está listado no livro de Peter Burke, mas bem mereceria estar. Além de ser pianista e professor de piano, foi professor de Canto e Teoria Musical, historiador da arte, fotógrafo, etnógrafo, folclorista, ensaísta, colunista de jornal, cronista, poeta e escritor. Destaco algumas das obras inovadoras: Paulicéia Desvairada (1922), A Escrava que não é Isaura (1925), Amar, Verbo Intransitivo (1927), Macunaíma (1928), Compêndio de História da Música (1929), O Movimento Modernista (1942).
Mário desempenhou papel fundamental para promover uma mudança de paradigma na cultura brasileira, quando entendeu a chegada das tendências futurista e modernista no Brasil. O marco foi a estética apresentada por Anita Malfatti na exposição de 1917. Isso acontece oito anos após a publicação do Manifesto Futurista, de 1909. Em 1917, São Paulo vivia o fim da República Velha, e entrava no primeiro ano da sua Greve Geral, principalmente influenciada pela vitória popular na Rússia.
Cinco anos depois, acontece a Semana de 22, um dos eventos culturais mais importantes no Brasil do século XX. Das suas características desobedientes, destaco alguns questionamentos que até hoje permanecem: o resgate das raízes culturais brasileiras; críticas à realidade brasileira; renovação da linguagem; oposição ao academicismo. Em 2022, celebramos seu centenário, e com ele o protagonismo de Mário de Andrade e seu Grupo dos Cinco – Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti.
Mas muita gente não conhece Mário de Andrade. Acho que conhecem de ouvir falar. Comigo foi assim. Por isso recomendo a leitura de Muito Prazer, sou Mário de Andrade! de Karina Almeida e com belas ilustrações de Gabriela Gil. Dividido em 10 partes e com 87 páginas, o livro é uma viagem deliciosa e rápida, mas não menos informativa, pois foca nos anos mais intensos e interessantes da vida de MA. O cenário dos acontecimentos descreve o espírito da época e os desafios na sociedade paulistana e brasileira. A narrativa é envolvente e mantém nossa curiosidade acesa até a última página, quando ainda oferece uma bibliografia para aprofundar na vida e obra do polímata.
Eu, particularmente, adoro a parte dos saraus, o dia-a-dia do Grupo dos Cinco e a viagem que Mário fez pela Amazônia. Você sabia que foi a partir dessa viagem que ele elaborou Macunaíma? Eu não sabia. E detalhe, ele não gostava de viajar! Essas e outras histórias estão neste livro tão bonito e que cabe maravilhosamente na bolsa ou no bolso. Fiquei apaixonada. Não conto mais para não dar spoiler.
Recomendo também a leitura do texto Que nos salve a Semana de Arte de 2022, de Karla Mourão, que também está aqui no blog da Editora Roça Nova.
Nélida Capela
Nélida Capela é mestra em Teoria Literária na PUC-Rio e atua no mercado editorial e de livrarias. É curadora, com foco em eixos temáticos como Africanidades, Estudos de Gênero e Estudos Indígenas, Mercado Editorial Independente. É fundadora da NC Curadorias – plataforma independente de curadoria e conteúdo descolonial.