Pedra, papel, tesoura é um romance sobre a ditadura argentina, mas que não trata da ditadura. É um romance sobre descobertas — da amizade, do amor, do sexo — e sobre a perda.

Alma, Carmen e Marito crescem juntos, compartilham sonhos e segredos, entram na adolescência, se afastam e se reaproximam. Através dos olhos de Alma, menina nascida e criada na elite portenha, acompanhamos o desmanche do universo seguro e acolhedor da infância para dar lugar a um mundo permeado pela violência e pelas barreiras sociais. Dividida entre a rígida educação católica da escola particular, ser a boa filha que os pais esperam e o romance secreto com um rapaz “não adequado” para ela, Alma vê essas esferas perderem seus contornos e se fundirem à medida que se torna adulta e começa a enxergar o mundo para além da sua bolha. A ilha — especialmente, e talvez não por acaso, a “ilha do meio” —, palco das brincadeiras da infância e o único local em que a jovem consegue sentir-se ela mesma, transforma-se no lugar desolado que representa, afinal, sua solidão.

No hiato de um ano que entremeia as duas partes do livro, acontece o golpe que instauraria em 1976, na Argentina, a ditadura militar — que ao longo de sete anos tiraria a vida de cerca de 30 mil pessoas. Nossa narradora, entretanto, sabe muito pouco ou quase nada sobre o que está acontecendo no país. Alma não compreende por que as pessoas se recusam a explicar-lhe o que estão fazendo, as ausências do namorado ou o que aconteceu com os amigos. Os sequestros, as torturas e os assassinatos cuja existência ela desconhece são transmitidos ao leitor a partir do mal-estar, dos olhares zombeteiros lançados de dentro de carros escuros, do abuso policial e da miséria que ela aprende a ver pela cidade.

Permeado de silêncios, esse romance, aos poucos, contextualiza a sociedade argentina de uma época e nos diz o indizível por meio da dúvida e da ausência. Pedra, papel, tesoura não é, entretanto, um livro que se resume a perdas. Uma narrativa leve e fluida nos convida a embarcar com a protagonista na delicadeza da transição entre infância, adolescência e idade adulta, na força das verdadeiras amizades e na esperança que nos
faz seguir em frente.

Laura Jahn Scotte

Laura Jahn Scotte

Laura Jahn Scotte nasceu em Porto Alegre, em 1994. É formada em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, estudou Antropologia Social na Universidad de Buenos Aires e é mestra em Cidadania e Direitos Humanos pela Universitat de Barcelona, cidade onde reside atualmente. É a tradutora de Pedra, papel, tesoura, de Inés Garland.

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