Leia na íntegra a orelha da edição.

Professora talentosa, ofício que jamais abandonou, atuando na educação básica, em cursos universitários e oficinas literárias, Hebe Uhart publicou uma obra expressiva. O bolo fofo e outros contos, volume que agora se apresenta ao público brasileiro, é o resultado da reunião de trinta e seis contos, extraídos de quatro livros da autora. Embora reconhecida de modo mais amplo tardiamente, Hebe Uhart escreveu e publicou dos anos 1960 até o fim de sua vida, em 2018, uma literatura marcante, que tem como foco narrar o simples, o cotidiano e os detalhes. A autora observa, narra e descreve o mundo com curiosidade, singeleza e profundidade; como consequência, sua prosa produz um efeito estético que parece espontâneo, sendo, ao mesmo tempo, cativante e estranho.

Seus contos, que se situam na dinâmica de famílias, vizinhanças, escolas, cafés e bares, são povoados por personagens apresentados em meio a pequenos recortes de cotidianos melancólicos, sensíveis e, por vezes, estapafúrdios.

Com uma habilidade peculiar, Hebe Uhart fala através de vozes que, apesar de distintas, parecem todas suas. Entre elas, destacam-se como protagonistas as vozes de crianças, sempre imaginativas e atentas ao mundo que as rodeia: querem entendê-lo e, nele, se situar. Não por acaso, a autora, em suas famosas aulas de escrita, propunha a seus alunos que elaborassem uma crônica sobre a infância — época das surpresas e das “primeiras vezes” —, que considerava um bom gatilho para o exercício da prática literária.

Nesta edição, além da visão curiosa e singular de suas personagens infantis, Hebe Uhart nos apresenta experiências de deslocamentos: a da escritora que vai à Alemanha ao ser convidada para um congresso e se vê enredada na busca por um relógio cuco; a do rapaz que se muda de sua Venezuela natal para uma Rosário pouco acolhedora; a dos palestrantes que irrompem em San Andrés; a dos uruguaios que voltam para o Rio da Prata depois de perambular pela Itália.

Ao mesmo tempo, também são frequentes as rotinas solitárias, monótonas, os instantes e as angústias corriqueiras: a saudade da filha que escreve à mãe falecida; as atrapalhações da dedicada secretária de um centro de pesquisas; a tristeza do viúvo inconformado com a falta da esposa; a esperança do menino que só queria conseguir dormir e a da menina que só queria assar seu bolo fofo.

Este livro, com textos escritos entre os anos 1970 e 2000, é um retrato belo, comovedor e bastante completo da prosa de Hebe Uhart que, por fim, pode ser apreciada no Brasil.

Marina Waquil é tradutora e pesquisadora com experiência nas áreas de tradução, literatura latino-americana, terminologia e linguística de corpus.

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