Quando comecei a escrever esta coluna como proposta de abertura da Semana Mandela na Roça Nova tratei de buscar referências nas mais variadas fontes, na intenção de entregar algo que acrescentasse e contribuísse ao que já foi abordado em relação à biografia de Nelson Mandela. Isso me tomou tempo, foi avassalador: pude constatar que tudo o que poderia ser dito sobre Madiba foi muito bem e extensamente dito. Está nas redes, está em compilações de textos livres, artigos científicos, capítulos de livros e obras completas, inclusive infanto-juvenis. Toda uma literatura dedicada à esmiuçar, analisar, pormenorizar uma vida inteira dedicada à garantia de direitos através da (re)conciliação, da justiça, da liberdade, pautadas primordialmente no plano da não violência, dos afetos, destituído do sentimento de vingança, o que dividiu opiniões a respeito de sua conduta e posicionamento políticos.

Minha intenção, portanto, mudou completamente: acredito que esta coluna poderá contribuir como proposta de promover uma (re)aproximação da cosmovisão e da incidência nas políticas da vida que Mandela ofereceu ao seu país e ao mundo, que parecem ter se perdido no caminho até aqui, nas ruínas do ocidente capitalista pós-pandêmico, sobre as quais caminhamos. A intenção, aqui, passa pelo desejo radical e inalienável de uma reconstrução paradigmática do que é humanidade, cidadania, riqueza, soberania, coletividade, bio-eco-poder, pós-modernidade, fim do mundo, deslocamentos epistêmicos, sul global, decolonialidade, futuro. São dimensões que se acirram diante do colapso à beira dos confins, marcado notadamente pela ascensão da máquina mal-calibrada da pós-verdade-fake-news-fascista-miliciana.

Estamos falando de uma força da natureza dotada de energia serena que foi Nelson Mandela. Ainda que diante do (da tentativa de) silenciamento e da violência em todos os níveis possíveis, tendo sido aprisionado por 27 anos sob o regime de Apartheid – significante: inexistências humanas; significado: perversão da brancura -, é uma força da pós-colonialidade que nem podemos mencionar enquanto tardia, já que os terrores da colonialidade persistem. Manter-se no caminho do bem maior e coletivo a despeito dos traumas que certamente se instalaram, sem revides, sem retaliações, preferindo o diálogo, a coalizão e o pacto civilizatório à lógica do “olho por olho” é para muito poucos:

“O mais difícil não é mudar a sociedade, mas mudar a si mesmo.”

(Nelson Mandela)

Essa é mais uma das chaves estratégicas de resistência, permanência e transformação – o povo preto desenvolveu e desenvolve inúmeras, como os quilombos – que se coloca à nossa disposição para desfibrilar a nós mesmes e a quem passar por nós no sentido de seguirmos adiante, já que o mundo e a humanidade continuarão a existir depois do fim. “Mandela, uma estratégia do bem”, livro de Aziz Djendli – psicoterapeuta em centros de saúde na França – lançado pela Roça Nova, propõe justamente essa perspectiva de mudança no microcosmo (pessoal) impactando o macrocosmo (tecidos sociais). Mentalidade, senso de organização, mobilização e reação coletivas, corpos políticos orientados pelo amor:

“Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor de sua pele, ou de sua origem, ou de sua religião. As pessoas aprendem a odiar e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor vem mais naturalmente ao coração humano do que seu oposto.”

(Nelson Mandela)

Conceber futuros possíveis.

Mandela tá ON.

Maria Amália Cursino

Maria Amália Cursino é comunicóloga, cofundadora e Diretora Executiva e de Conteúdo do Pretaria.Org | Coletivo Pretaria. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Relaçõess Ético-Raciais do CEFET-RJ com projeto de pesquisa em Cinema Negro, dimensionando as cinematografias amefricanas documentais. Editora e colunista do Coletivo Pretaria. Colunista Roça Nova Editora.

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