Arcos de La Frontera, 2019.
(Livremente traduzido do inglês)

Laura: Primeiramente, em que língua vamos falar?

Aziz: Em inglês.

Laura: Em inglês? Ok. Então, estou aqui com Aziz Djendli, autor do livro Mandela: uma estratégia do bem, publicado pela Tabla.

Aziz: Olá!

Laura: Bem, vamos à primeira pergunta. A psicóloga Zeneide Jacob destacou três “termos de referência” presentes no seu livro: meditação ativa, atração pelo condicionamento e perdão como força.  O que eles significam? Você pode falar um pouco sobre o método da estratégia do bem?

A base é que… bem,  você aprende que pode seguir dois caminhos: de ação ou de reação.

Então, atração pelo condicionamento é sobre suas reações automáticas. Por exemplo, alguém está magoando você, fazendo você sofrer, e então você reage agressivamente, o que é muito humano. 

Já no modelo de Nelson Mandela, você não simplesmente reage, você entende, através da meditação, da meditação ativa. Isso significa que você vai dedicar cinco minutos por dia, dez minutos, e vai pensar sobre a situação de maneira bastante prática. 

Por exemplo, Mandela tinha um guarda na prisão, podemos chamá-lo de John. Uma vez Mandela disse: “Hoje quando John abriu a porta eu tive um sentimento de hostilidade por ele. Então, amanhã, quando ele abrir a porta, eu não vou permitir a mim mesmo que tenha esse sentimento.” No dia seguinte, quando John abriu a porta, Mandela lembrou-se de si mesmo através da meditação ativa, então ele não se permitiu sentir essa hostilidade e então ele estava numa coisa boa. Uma coisa que fez contato com John.

Esse modelo significa que durante o dia você talvez se depare com quarenta situações ou encruzilhadas. Você pode escolher uma direção ou outra. E a ideia principal, a intenção, é que você tente permanecer na direção que é boa para você, que você tente centrar a sua consciência na benevolência.

E todos sabemos, todas as culturas sabem, que a benevolência, tentar ser uma boa pessoa, significa que você faz coisas boas para a sua saúde. Porque você sabe que estar em paz consigo mesmo é melhor para a sua saúde do que sentir raiva… porque isso te causa tensão. 

Então, esse tipo de comportamento é bom para a sua saúde e para a saúde de outras pessoas também. Essa é uma equação simples, assim como Mandela era um homem muito simples. É sobre saber, sentir e aprender que quanto mais você compreende porque você segue um bom caminho, mais você se sente em paz com você mesmo, mais você projeta paz para os outros. Mas você não precisa falar sobre isso, isso está no seu bem estar. 

É por isso que quando dizemos que Mandela meditava todos os dias por quinze minutos, as pessoas dizem: “É mesmo?!”. Você pode ver em seu livro; todos os dias por quinze minutos. Mas não é uma meditação abstrata, ela é muito prática. Você talvez pense sobre como se sente em relação à uma pessoa, em como age em relação à uma situação, coisas muito práticas. E sabemos agora, a neurociência também fala disso, que meditação ativa significa que você pensa e medita em relação a coisas que são práticas. 

Mas a chave é que você não busca uma solução. Por exemplo: eu tenho um problema com meu marido, esposa ou amigo. Eu poderia dizer qual é a solução a pessoa poderia ficar obcecada por isso. Essa não é a maneira de se fazer as coisas. Mas, por exemplo, se você tira cinco minutos todos os dias e apenas pensa tranquilamente sobre essa pessoa, sem procurar uma solução… aliás, essa é uma grande armadilha. Pensar que você medita para conseguir uma solução não funciona. Mas o fato de que você tira dez minutos para pensar sobre essa pessoa… você pode ter certeza que a relação com a pessoa vai melhorar, porque seu “ser” em seu cérebro percebe que você considera isso uma prioridade, então esses dez minutos vão afetar seu “ser” em seu cérebro de forma que quando você encontrar essa pessoa no futuro, de maneira profunda e superficial ela vai perceber que você se dedicou, e que aconteceram mudanças sutis no relacionamento, e isso depende apenas de você. 

Portanto, meditação ativa significa isso: que você pensa sobre a pessoa por dez minutos sem procurar uma solução para o problema, apenas sentir e estar presente com essa pessoa por cinco ou dez minutos. E funciona! Esse não é um modelo que somente Mandela usava, é também o modelo de Gandhi, você encontra esse modelo em vários caminhos de conhecimento como budismo, e outros. E essa é a visão deles.

Aziz, quero te perguntar sobre sua história, onde você nasceu, o que você estudou, qual é o seu trabalho e onde você vive.

Eu nasci na Argélia, vim para a França aos três anos de idade. Nós íamos todos os anos à Argélia, toda a família. Meu avô, pai da minha mãe, pertencia a uma ordem sufi. Nós temos que falar sobre o sufismo porque é minha origem também. Nós temos que saber que o sufismo é um caminho onde você tenta adquirir conhecimento, mas um conhecimento bastante especial. Não tem a ver com religião. Existe muita confusão em relação isso. Quando falamos sobre sufismo, estamos falando de uma coisa muito prática, uma filosofia ativa que nos dá instrumentos de como viver corretamente e como se desenvolver. E é isso. Sufismo é isso, não tem nada a ver com religião. 


Então fui estudar, estudei psicologia e filosofia em Paris, na universidade. Sou psicólogo e mediador de conflitos nos hospitais. Trabalho com pacientes, médicos e enfermeiros. Também sou treinado na ciência política. Há anos faço treinamento para diferentes tipos de pessoas: políticos, gerentes, professores. A presença ativa os ajuda a diminuir o stress e a se sentirem mais centrados, a ter uma atitude melhor e também uma equipe melhor, mais unida. Eu também escrevo livros e dou conferências sobre isso.

Você foi à universidade e estudou psicologia em Paris?

Em Paris eu trabalhei em um centro de drogadictos, uns três ou quatro anos. Foi interessante. Depois eu fiquei em hospitais com pacientes. Gosto também de treinar enfermeiros e médicos em como se comportar com pacientes. E nessa área eu posso ensinar presença ativa, aos enfermeiros e médicos. Para ajudá-los a ter um melhor e mais profundo relacionamento com o paciente e com a equipe, diminuindo o nível de tensão e conflito. Presença ativa é um tipo de instrumental muito simples e muito prático e as pessoas me dão um bom feedback, dizem que é bom para elas, para o paciente e bom para a equipe, então…  É o que eu venho fazendo.

Então esse é um outro termo de referência, presença ativa? Esse você desenvolveu em outro livro?

Sim, eu desenvolvi num livro chamado Presença ativa. Está traduzido para o Espanhol, talvez no futuro, em português, no Brasil.

É um método… as pessoas hoje em dia falam muito sobre mindfulness (atenção plena), é diferente. Presença ativa é algo natural. Significa que ser positivo é uma ação. Não é ficar sentado aceitando tudo. Não, você aceita as coisas mas você se lembra de você mesmo, positivamente e ativamente. E também significa que você se lembra de permanecer no caminho correto. O caminho correto é estar bem centrado, sabendo que a benevolência é melhor que o conflito, que o perdão é melhor do que ficar com raiva. Então você se lembra disso, e se lembrar disso é presença ativa

Ausência é quando você cai na armadilha de brigar com as pessoas. Você vai perder horas de sono por causa da tensão. A presença ativa te permite permanecer de acordo com você mesmo, mais perto da sua verdade, entende? Ao invés de seguir um caminho condicionado, desinteressado pela própria saúde e pelo bem estar, mais interessado em como ter poder sobre as outras pessoas, em criar conflitos e desestabilizar as pessoas.


Presença ativa significa que você toma distância desse caminho sem guerrear. Não existe conflito, você simplesmente não segue por essa estrada porque você sabe, através das viagens dentro de si mesmo, que isso não te leva a lugar nenhum. Só te faz sentir tristeza, provoca tristeza em outras pessoas… esse é o eu dominante falando e você não o segue seu comando. Então, a presença ativa significa que você diz a você mesmo para permanecer focado em tentar se tornar uma boa pessoa.

Tem muito a ver com  livro do Mandela.

Sim, muito. Porque quando eu digo que Mandela meditava cinquenta vezes… Em nosso modelo nós precisamos meditar três vezes por dia. A neurociência diz que quando vc faz algo positivo para você mesmo, o efeito dura oito horas. E um dia dura vinte e quatro horas. Então, se você quer criar um caminho positivo na sua mente e no seu ser, você precisa repetir esse exercício a cada oito horas. 


É bem conhecido no budismo e no sufismo que o ser humano precisa fazer algo a cada oito horas porque, se não, as pessoas voltam ao seu condicionamento, voltam à influência do seu eu dominante. Então, para diminuir isso, você precisa fazer algo para você. Não uma coisa longa, não meia hora, talvez dois ou três, quatro minutos… mas um “momento sincero”. Com sinceridade. Por dois ou três minutos você entra em você mesmo, se volta para dentro de você e então, lentamente, acontecem mudanças em seu cérebro, em seu bem estar, através de, eu repito, acumulação, como um piloto de avião.

É interessante essas três vezes. Como uma bactéria… porque você toma um antibiótico três vezes por dia.

(risos) É verdade. Como uma prescrição médica. Você sabe, no budismo, no sufismo, já falavam das três vezes… Mas agora nós sabemos também pela neurociência. Eles dizem que quando as pessoas fazem coisas positivas para eles, o nível de cortisol vai baixar, mas oito horas depois as pessoas voltam ao seu condicionamento, condicionamento emocional. Mas se você faz alguma coisa para se manter centrado, não! Estar mais centrado então será uma ajuda durante o dia todo, e depois você acumula bons momentos e isso cria pequenas mudanças, o que é muito positivo. 

Lentamente, as pessoas observam mudanças nelas mesmas. Eu repito, observam. Elas não estão procurando mudanças. Nós observamos que estamos mudando. Não é um método que você diz “eu quero mudar isso!”. Não, você observa que você está menos tenso, que você está dormindo melhor ou que se sente melhor. Mas uma observação rápida, não é uma observação intelectual.

É sutil, mas é um enfoque completamente diferente. Apenas observar.

Sim. E isso não é novo. Eu repito. É muito antigo, um conhecimento muito antigo, mas a gente usa outras palavras agora, porque estamos no tempo da neurociência, então temos que usar termos científicos.

E esse livro também é muito importante para esse momento político que atravessamos no Brasil.

Não apenas no Brasil. O mundo está mais ou menos tenso. O fato é que a presença ativa te faz compreender uma coisa simples: você não tem influência sobre os outros. A influência que você pode ter é sobre você mesmo. 

Então, se a pessoa tenta exercer uma boa influência em si mesmo, tentando produzir paz dentro de si através da meditação… então ela é uma pessoa que transmite paz e tranquilidade e então ela produz uma mudança real na sociedade. Você se torna um bom cidadão. Não é saindo de si mesmo. Esse não é nosso trabalho. Através do seu ser interior, de maneira sutil, você produz um efeito nas pessoas, porque você se mantém distante de algumas coisas, você não briga… e então o que você está transmitindo como energia e como comportamento, é algo muito positivo. E o que se tenta fazer é transmitir esse tipo de técnica. Assim as pessoas podem compreender que é possível. Uma ação delas. Isso é uma boa coisa a se fazer para trazer uma espécie de mudança, mas sem sair de si mesmo. Permanecer em si mesmo, dentro de si. E isso tem um efeito real e muito forte. Mais do que você pode imaginar.

É como disse Mandela, está escrito em seu livro: “É mais difícil mudar a si mesmo do que mudar a sociedade”.

Sim, porque é mais fácil olhar para a sociedade e decidir que esse não é um problema meu, isso é muito humano. Mas se a pessoa está mesmo procurando uma maneira eficiente de afetar a sociedade e as pessoas, ela precisa exercer poder sobre si própria, sabe? Se você exerce influência sobre você para estar bem centrado, para se manter centrado, para estar em paz consigo mesmo, em consequência você transmite algo muito positivo e muito proveitoso para as pessoas. E as pessoas estão à procura disso. E isso é muito correto e muito proveitoso porque você, fazer um bom contato com elas. E essa é uma maneira pela qual fazemos as coisas há muitos séculos. E funciona.

E essa é uma maneira de se manter honesto consigo mesmo, o que é a coisa mais importante. Como posso ser honesto com você se não sou honesto comigo?

Claro, claro. E mais ainda… Como eu posso mudar um país? Eu sou uma pessoa que pode ter influência sobre mim mesma. Eu procuro estar mais em paz comigo, e eu sei que com essa visão – para usar um termo que Mandela usava -, se eu tenho uma visão, como “unidade”, por exemplo, e eu sei que meu comportamento vai estar orientado nesse sentido, em harmonia com esse conceito, então meu comportamento, minhas atitudes, vão produzir unidade e não divisão. As pessoas reclamam da divisão, da separação. 

É normal, mas a luta principal é que precisamos produzir unidade internamente para produzi-la externamente. Do contrário, estaremos criando mais divisão. Nós queremos unidade ao mesmo tempo que estamos criando divisão. Mas se você sente essa unidade e você a alimenta dentro de você, você a transmite… E ela tem um forte efeito. Percebe?

Quando eu li seu livro essa foi a parte que mais me “pegou”. Que a pessoa precisa fazer um trabalho interno e ter essa visão. Porque você não pode mudar nada se não prestar realmente a atenção.

Mas isso produz um efeito… Isso produz paz dentro das pessoas, cria harmonia e, portanto, você sabe que é uma técnica… Por exemplo, se vocês são dez pessoas que estão em harmonia, isso toca as outras pessoas e você desenvolve harmonia e isso toca as pessoas mais e mais. Muito lentamente, mas funciona. Produz um efeito intenso. 

Digamos que exista uma pessoa que não tem o mesmo ponto de vista que você, e talvez essa pessoa ache que você vai atacá-la por isso, mas você diz para si mesmo “eu não sou essa pessoa que vai atacar…”

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