Eu não sabia que o primeiro marido de Ida Vitale tinha sido Ángel Rama, teórico da literatura uruguaio cujos textos conheci durante o curso de mestrado, nas aulas do professor dinamarques Karl Erik Schøllhammer, na PUC-Rio. Ángel escreveu sobre a transculturação, questão nos estudos da narrativa latino-americana e sobre as literaturas nacionais. Voltando à Ida, ela fez parte da Geração de 45. Entre as mentes dessa geração, temos os escritores Juan Carlos Oneti e Mario Benedetti. Os demais não são tão conhecidos do público brasileiro.

Aqui no Brasil conhecemos pouco das escritas do sul, só posso supor que tal barreira foi o idioma castelhano x português e a influência européia e norte-americana sobre as editoras brasileiras. Na verdade, para mim, além do idioma, as questões políticas e logo mercadológicas. O sul sempre tremeu mais do que o Brasil nas questões dos direitos civis e humanos. Para não dizer que autores da América Latina não foram editados no Brasil, diria que alguns poucos foram, na década de 80. Depois de esgotados, os livros ficaram no limbo. Recentemente, quase trinta anos depois, aparece uma edição de Pedro Páramo, de Juan Rulfo. Benedetti, César Aira (outro gigante da narrativa argentina, além de Borges e Ernesto Sabato) também tem seus poucos títulos traduzidos no limbo ou à beira dele. Alguém aí já leu As noites de flores de César Aira? Deveriam, foi lançado pela Nova Fronteira em 2006. Está esgotado no momento – caiu no limbo. Mas você vai dizer: “É claro que há escritas do Sul traduzidas para o português. Sim, os mais conhecidos e queridos do mercado editorial: Gabo (Gabriel Garcia Marquez), Isabel Allende, Borges. Queridos do mercado pois continuam vendendo.

Hoje, Carola Saavedra também comentou sobre outra escritora chilena que foi editada somente pela Cosac Naify e que ainda não teve reedição: María Luisa Bombal. Eu nem tinha lido a autora ainda, já tomei nota aqui para procurar a edição num sebo.

Mas no meio do deserto, surgem flores…

Felizmente, de seis anos para cá, voltamos a olhar para o Sul. Ou seja, novos editoras, editores, tradutores, teóricos e estudantes. Novas mentalidades. Novas escritas traduzidas: Guadalupe Nettel, Pola Oloixarac, Lina Meruane, Samantha Schweblin, Pilar Quintana, Mariana Enriquez – por acaso, quase todas que mencionei são mulheres, felizmente! Mas ainda faltam as escritoras trans, por exemplo, a argentina Camila Sosa Villada, que já conquistou o Prêmio Sor Juana. Mais traduções de Pedro Lemebel também não fariam mal ter no Brasil, para provocar uma reflexão crítica- a primeira e até agora  única tradução do Essa angústia louca de partir foi feita por Alejandra Rojas para a editora recifense Cesárea.

Ida Vitale, ganhadora de um Cervantes em 2018, finalmente tem seus poemas traduzidos para o portugês, até então nunca tinha sido editada aqui. Demorou, mas chegou pela editora Roça Nova, com tradução de Heloisa Jahn. Então, vamos ler o Sul?

Nélida Capela

Nélida Capela é mestra em Teoria Literária na PUC-Rio e atua no mercado editorial e de livrarias. É curadora, com foco em eixos temáticos como Africanidades, Estudos de Gênero e Estudos Indígenas, Mercado Editorial Independente. É  fundadora da NC Curadorias – plataforma independente de curadoria e conteúdo descolonial.

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