Pedra, papel, tesoura, romance da argentina Inés Garland, aborda a passagem da infância para a idade adulta na época da ditadura militar. Leia o comentário da jornalista Bárbara Krauss sobre o tema neste post.
Ser criança na América Latina quando aqui reinaram as ditaduras apoiadas pelos Estados Unidos podia ser como viver em uma ilha. Se seus pais apoiassem o autoritarismo ou se tivessem dinheiro o suficiente pra viver descolado da realidade nacional não haveria motivo sequer para que uma criança soubesse que vivia sob esse regime.
Essa é a história de Alma, Carmem e Marito, protagonistas do romance da argentina Inés Garland, mas é também a história de tantos de nossos pais ou primos. Crianças de diferentes classes sociais que se encontravam para brincar. A consciência politica florescendo entre um joelho ralado e o primeiro beijo, cedo demais, violenta demais.
Em “Pedra, papel, tesoura” temos um romance que fala desse desabrochar da juventude interrompido: pela brutalidade do amadurecimento forçado ou pela interrupção da vida por uma bala do Estado.
A ditadura argentina está em toda a segunda parte do romance, mas Inés Garland escolhe trabalha-la pelas brechas. Como em uma mensagem cifrada, comunicada entre aqueles que sabem que o que está em risco é a própria vida.
O romance, com tradução de Laura Jahn Scotte, se insere na tradição primeiramente nomeada por Alejandro Zambra de “literatura dos filhos” e depois chamada também de “relatos da pós-memória”, em que as crianças que vivenciaram esses momentos brutais da história relatam pelos não ditos e desentendidos comuns da infância essa parte tão fundamental, quanto opressora da história latino-americana. A pureza infantil indo de encontro a violência das botas dos milicos. A complexidade de um golpe de Estado contra o desejo de resolver todos os conflitos com pedra, papel ou tesoura.
“Na ilha sempre retomávamos um jeito de estar juntos que vinha desde a infância. Parecia que dava para resolver toda diferença que tivéssemos, todo desencontro, com pedra, papel, tesoura, nossas mãos escondidas por um momento montando a figura que nos libertaria de qualquer discussão.”
*Imagem: crianças fichadas como “subversivas” pelo DOI-CODI do Rio de Janeiro antes de serem mandadas para a Argélia, com 40 presos políticos, em troca do embaixador alemão sequestrado naquele ano (Foto: Arquivo do SNI).
Bárbara Krauss é jornalista formada pela UMESP e responsável pelo B de Barbárie (@bdebarbarie), espaço de divulgação cultural e narrativas políticas nas plataformas do Youtube e do Instagram desde 2017.
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